sexta-feira, 9 de abril de 2010

Poemas...


O que passou, passou?

Paulo Leminski


Antigamente, se morria.
1907, digamos, aquilo sim
é que era morrer.
Morria gente todo dia,
e morria com muito prazer,
já que todo mundo sabia
que o Juízo, afinal, viria,
e todo mundo ia renascer.
Morria-se praticamente de tudo.
de doença, de parto, de tosse.
E ainda se morria de amor,
como se amar morte fosse.
Pra morrer, bastava um susto,
um lenço no vento, um suspiro e pronto,
lá se ia nosso defunto
para a terra dos pés juntos.
Dia de anos, casamento, batizado,
morrer era um tipo de festa,
uma das coisas da vida,
como ser ou não ser convidado.
O escândalo era de praxe.
Mas os danos eram pequenos.
Descansou. Partiu. Deus o tenha.
Sempre alguém tinha uma frase
que deixava aquilo mais ou menos.


Tinha coisas que matavam na certa.
pepino com leite, vento encanado,
praga de velha e amor mal-curado.
Tinha coisas que tem que morrer,
Tinha coisas que tem que matar.
a honra, a terra e o sangue
mandou muita gente praquele lugar.
Que mais podia um velho fazer,
nos idos de 1916,
a não ser pegar pneumonia,
deixar tudo para os filhos
e virar fotografia?
Ninguém vivia para sempre.
Afinal, a vida é um upa.
Não deu pra ir mais além.
Mas ninguém tem culpa.
Quem mandou não ser devoto
de Santo Inácio de Acapulco,
Menino Jesus de Praga?
O diabo anda solto.
Aqui se faz, aqui se paga.
Almoçou e fez a barba,
tomou banho e foi no vento.
Não tem o que reclamar.
Agora vamos ao testamento.
Hoje a morte está difícil.
Tem recursos, tem asilos, tem remédios.
Agora a morte tem limites.
E em caso de necessidade,
a ciência da eternidade
inventou a criônica.
Hoje, sim, pessoal, a vida é crônica.

LEMINSKI, Paulo. Melhores poemas de Paulo Leminski. São Paulo: Global, 1997. 3ª ed. (página 186-187)


Paulo Leminski, Fernando Pessoa, Mario Quintana, Cecília Meireles, Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Moraes, Adélia Prado e vários outros poetas o aguardam aqui na Biblioteca.

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